Saudações, mortais desse Estranho Mundo.
Encontrei Saramago em 1997, numa aula abstrata de Filosofia, no fim dos anos 90.
Refém de minha ignorância - muito orgulhosa dela -, dei pouca atenção à sua foto e sua biografia escrita em letras pequenas na contracapa do conto "O Conto da Ilha Desconhecida". Saramago, então, com assertivas diretas e precisas, me falou sobre o mundo e o homem, suas paixões e frustrações. Depois foi a vez de "Objecto Quase", narrativas estranhas que moldavam as coisas aos homens (ou seria o contrário? ainda não estou certo..).
Percebi que eu era o "homem-coisa".
Busquei Saramago por toda a Universidade até encurralá-lo num canto da biblioteca que vazia - como quase sempre - assistiu-me a desafiar o velho comunista e ateu: do alto da prateleira retirei o provocativo "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e arrastei-o comigo pelos corredores, salas, bares etc.
Até que ele me venceu de novo.
Eu não entendia como eu podia ser derrotado por frases longas e idéias metafóricas! Como podiam aqueles personagens serem tão próximos do que eu era (e sou) e ainda assim serem indecifráveis pra mim?!
Busquei as respostas pra essas questões na biografia do autor: "família pobre, autodidata, sem faculdade, serralheiro mecânico, rato de biblioteca, funcionário público, cronista, romancista, escritor de prosa e poesia, questionador, perseguido política, ideológica e religiosamente.
Esse era o cara!
Fez sentido.
Hoje, mais humilde e menos afoito, peço desculpas pela minha burrice convicta e debruço-me atenta e pausadamente sobre "A Caverna", livro publicado pelo autor português em 2000. A partir da a vida pacata de uma família de oleiros, Saramago expõe as entranhas da nova economia e suas engrenagens que transforma pessoas/indívíduos em sombras e representações. Revendo Platão e sua caverna, Saramago abre fogo sobre o capitalismo e seu leque de opções: escravize-se ou morra.
Obs.: como todos devem saber, José de Sousa Saramago faleceu hoje.
Esta postagem é, portanto, uma singela homenagem ao homem que, entre outras coisas, duvidou do céu, do inferno, dos capitalistas, dos comunistas, da literatura, do jornalismo, do verso, da prosa, do seu próprio país, do mundo todo, e de mim.
Obrigado por tudo.
"Almas atormentadas, tremei!"
Encontrei Saramago em 1997, numa aula abstrata de Filosofia, no fim dos anos 90.
Refém de minha ignorância - muito orgulhosa dela -, dei pouca atenção à sua foto e sua biografia escrita em letras pequenas na contracapa do conto "O Conto da Ilha Desconhecida". Saramago, então, com assertivas diretas e precisas, me falou sobre o mundo e o homem, suas paixões e frustrações. Depois foi a vez de "Objecto Quase", narrativas estranhas que moldavam as coisas aos homens (ou seria o contrário? ainda não estou certo..).
Percebi que eu era o "homem-coisa".
Busquei Saramago por toda a Universidade até encurralá-lo num canto da biblioteca que vazia - como quase sempre - assistiu-me a desafiar o velho comunista e ateu: do alto da prateleira retirei o provocativo "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" e arrastei-o comigo pelos corredores, salas, bares etc.
Até que ele me venceu de novo.
Eu não entendia como eu podia ser derrotado por frases longas e idéias metafóricas! Como podiam aqueles personagens serem tão próximos do que eu era (e sou) e ainda assim serem indecifráveis pra mim?!
Busquei as respostas pra essas questões na biografia do autor: "família pobre, autodidata, sem faculdade, serralheiro mecânico, rato de biblioteca, funcionário público, cronista, romancista, escritor de prosa e poesia, questionador, perseguido política, ideológica e religiosamente.
Esse era o cara!
Fez sentido.
Hoje, mais humilde e menos afoito, peço desculpas pela minha burrice convicta e debruço-me atenta e pausadamente sobre "A Caverna", livro publicado pelo autor português em 2000. A partir da a vida pacata de uma família de oleiros, Saramago expõe as entranhas da nova economia e suas engrenagens que transforma pessoas/indívíduos em sombras e representações. Revendo Platão e sua caverna, Saramago abre fogo sobre o capitalismo e seu leque de opções: escravize-se ou morra.
Obs.: como todos devem saber, José de Sousa Saramago faleceu hoje.
Esta postagem é, portanto, uma singela homenagem ao homem que, entre outras coisas, duvidou do céu, do inferno, dos capitalistas, dos comunistas, da literatura, do jornalismo, do verso, da prosa, do seu próprio país, do mundo todo, e de mim.
Obrigado por tudo.
"Almas atormentadas, tremei!"
1 comentário
Hell,
perda lastimável essa!
Não apenas pela obra de Saramago (inacabada, dizem as últimas notícias) mas também por sua personalidade e opiniões.
Pena que essa postagem marce uma data tão triste assim.
Mesmo assim, os estranhos desse mundo agradecem.